Excesso de Carboidratos e não Gorduras Saturadas está associado com maior mortalidade – The Lancet

A relação entre macronutrientes e doenças cardiovasculares e mortalidade continua controversa. A maioria dos dados disponíveis são de populações europeias e norte-americanas onde o excesso de nutrição é mais provável, portanto sua aplicabilidade a outras populações não é clara. Para avaliar as variáveis entre as populações mundiais, foi realizado o estudo multicêntrico PURE.

 

O estudo Prospectiva de Epidemiologia Rural (em inglês, PURE – Prospective Urban Rural Epidemiology) é um grande estudo de coorte epidemiológico (coorte é um tipo de estudo com um grupo de pessoas que tem em comum um evento que se deu no mesmo período) de indivíduos de 35 a 70 anos (de 2003 a 2013) em 18 países com um acompanhamento médio de 7,4 anos. A dieta de 135.335 indivíduos foi registrada usando questionários de frequência de alimentos validados. Os resultados primários foram a mortalidade total e eventos cardiovasculares principais (doença cardiovascular fatal, infarto do miocárdio não fatal, acidente vascular cerebral e insuficiência cardíaca).

Os resultados secundários foram todos infartos do miocárdio, acidente vascular cerebral, mortalidade por doenças cardiovasculares e mortalidade por doenças não-cardiovasculares. Os participantes foram categorizados em grupos de ingestão de nutrientes (carboidratos, gorduras e proteínas) com base na porcentagem de energia fornecida por nutrientes. Foram avaliadas as associações entre o consumo de carboidratos, a gordura total e cada tipo de gordura com doença cardiovascular e mortalidade total. Também foram calculados os índices de risco relacionados.

Durante o acompanhamento, foram documentados 5796 óbitos e 4784 grandes eventos de doenças cardiovasculares. A ingestão mais elevada de carboidratos foi associada a um risco aumentado de mortalidade total, mas não com risco de doença cardiovascular ou mortalidade por doenças cardiovasculares. A ingestão de gordura total e cada tipo de gordura foi associada com menor risco de mortalidade total de acordo com os resultados analisados estatisticamente. Uma maior ingestão de gordura saturada foi associada a menor risco de acidente vascular cerebral. Gordura total e gorduras saturadas e não saturadas não foram significativamente associadas ao risco de infarto do miocárdio ou mortalidade por doenças cardiovasculares.

A ingestão elevada de carboidratos foi associada com maior risco de mortalidade total, enquanto que a gordura total e os tipos individuais de gordura estavam relacionados a menor mortalidade total. A gordura total e os tipos de gordura não foram associados a doenças cardiovasculares, infarto do miocárdio ou mortalidade por doenças cardiovasculares, enquanto a gordura saturada teve associação inversa com AVC.

Gorduras saturadas versus gorduras insaturadas versus carboidratos na prevenção e tratamento de doenças cardiovasculares.

Em um trabalho realizado por pesquisadores do Oakland Research Institute, na Califórnia, foi demonstrado que os efeitos dos ácidos graxos saturados (SFA) sobre o risco de doença cardiovascular (DCV) são modulados pelos nutrientes que os substituem e suas matrizes alimentares. A substituição de ácidos graxos saturados por ácidos graxos insaturados tem sido associada a redução do risco de DCV, embora haja heterogeneidade em ambas as categorias de ácidos graxos.

Somente relembrando o que são gorduras insaturadas, saturadas e trans, temos que as gorduras insaturadas como as que estão presentes no azeite de oliva, linhaça e salmão, entre outros, são líquidas em temperatura ambiente e ajudam a reduzir o LDL (colesterol ruim), os triglicerídeos e a hipertensão. As gorduras saturadas, encontradas nas carnes vermelhas e brancas (principalmente gordura da carne e pele das aves) são sólidas à temperatura ambiente e acredita-se que aumentam o colesterol ruim (LDL). Já as gorduras trans são as piores vilãs, ao aumentarem o colesterol ruim e, ao mesmo tempo, reduzirem o bom (HDL). São formadas por um processo químico (hidrogenação), no qual óleos vegetais líquidos são transformados em ácido graxo trans, uma gordura sólida, utilizada em margarinas, biscoitos, batatas fritas, sorvetes e salgadinhos de pacote.

Em contraste, a substituição de ácidos graxos saturados por carboidratos, particularmente o açúcar, não foi associada a nenhuma melhoria e até mesmo à piora do risco de DCV, pelo menos em parte através de efeitos sobre a dislipidemia aterogênica, um conjunto de características incluindo pequenas e densas partículas de lipoproteínas de baixa densidade (LDL – Colesterol Ruim). Os efeitos dos ácidos graxos saturados dietéticos sobre a sensibilidade à insulina, inflamação, função vascular e trombose são menos claros. Há evidências crescentes de que os SFA no contexto dos produtos lácteos, particularmente os produtos lácteos fermentados, têm associações neutras ou inversas com DCV, o que é bom. Os padrões alimentares gerais que enfatizam legumes, peixes, nozes e grãos inteiros versus processados ​​são a base de uma alimentação saudável para o coração e devem substituir o foco na composição de macronutrientes.

Consumo de alimentos e as estatísticas reais das doenças cardiovasculares: uma comparação epidemiológica de 42 países europeus.

O objetivo de um estudo ecológico realizado por pesquisadores tchecos e publicado em 2016 na Food & Nutrition Research, foi identificar os principais fatores nutricionais relacionados à prevalência de doenças cardiovasculares (DCV) na Europa, com base na comparação das estatísticas internacionais. O consumo médio de 62 itens alimentares da base de dados FAOSTAT (1993-2008) foi comparado com as estatísticas reais de cinco indicadores DCV em 42 países europeus. Vários outros fatores exógenos (despesa de saúde, tabagismo, índice de massa corporal) e a estabilidade histórica dos resultados também foram examinados.

A correlação dietética mais significativa do baixo risco de DCV foi o consumo total de gordura total e proteína animal. Análises estatísticas adicionais também destacaram frutas cítricas, lácteos ricos em gordura (queijo) e nozes. Entre outros fatores não-alimentares, os gastos com saúde mostraram, de longe, os maiores coeficientes de correlação. A maior correlação do alto risco de DCV foi a proporção de energia de carboidratos e álcool, ou de carboidratos de batata e cereal. Com base nestes resultados, os pesquisadores concluíram que não há associação entre DCVs e gorduras saturadas, que ainda estão contidas em diretrizes dietéticas oficiais.

Em vez disso, eles concordam com os dados acumulados em estudos recentes que relacionam o risco de DCV com o alto índice glicêmico/carga de dietas à base de carboidratos. Na ausência de qualquer evidência científica que conecte a gordura saturada com DCVs, esses achados mostram que as recomendações alimentares atuais sobre DCVs devem ser seriamente reconsideradas.

“estudos recentes  relacionam o risco de doenças cardiovasculares com o alto índice glicêmico/carga de dietas à base de carboidratos”

Um outro estudo realizado por pesquisadores de Harvard e publicado no Journal of the American College of Cardiology, procurou investigar associações de gorduras saturadas em comparação com gorduras insaturadas e diferentes fontes de carboidratos em relação ao risco de doença cardíaca coronariana (DCC). O estudo foi realizado com 84.628 mulheres, de 1980 a 2010 e 42.908 homens, de 1986 a 2010, que não apresentavam diabetes, doenças cardiovasculares ou câncer. A dieta foi avaliada por um questionário semi-quantitativo de frequência alimentar a cada 4 anos.

Durante 24 a 30 anos de acompanhamento, foram documentados 7.667 casos incidentes de DCC. As ingestões mais altas de ácidos graxos poliinsaturados e carboidratos de grãos integrais foram significativamente associadas a um menor risco de DCC. Estas descobertas indicam que as gorduras insaturadas, especialmente ácidos graxos poliinsaturados e/ou carboidratos de alta qualidade podem ser usadas para substituir gorduras saturadas na redução do risco de doença cardíaca coronariana.

As associações de carga glicêmica (GL) e índice glicêmico (GI) com o risco de doenças cardiovasculares ocorrem apenas com os homens, diz estudo dinamarquês.

As associações de carga glicêmica (GL) e índice glicêmico (GI) com risco de doenças cardiovasculares (DCV) não estão bem estabelecidas, particularmente entre homens e mulheres homens, e podem ser modificadas pelo gênero. Para avaliar se o índice elevado de GL e GI dietéticos aumenta o risco de DCV em homens e mulheres, pesquisadores dinamarqueses realizaram um grande estudo de coorte prospectivo (EPIC-MORGEN), que foi conduzido na população geral holandesa entre 8.855 homens e 10.753 mulheres, com idade entre 21-64 anos na linha de base (1993-1997) e livre de diabetes e DCV. A ingestão dietética foi avaliada com um questionário validado de frequência alimentar e GI e GL foram calculados usando a tabela internacional de GI da Foster-Powell.

“entre os homens, GL e GI elevados e alta ingestão de carboidratos e amido, foram associados com maior risco de DCV”

A informação sobre morbidade e mortalidade foi obtida através da ligação com os registros nacionais. A análise de riscos proporcionais de Cox foi realizada para estimar as taxas de risco para doença cardíaca coronária incidente e acidente vascular cerebral, ao se ajustar à idade, fatores de risco de DCV e fatores alimentares. Os resultados obtidos levaram os pesquisadores a concluir que entre os homens, GL e GI elevados, e alta ingestão de carboidratos e amido, foram associados com maior risco de DCV, enquanto que entre as mulheres não foram encontradas associações significativas.

Revisão sistemática sobre a ingestão de ácidos graxos saturados e trans insaturados e o risco de mortalidade por todas as causas, doenças cardiovasculares e diabetes tipo 2.

Em 2015, um grupo de pesquisadores canadenses publicaram no British Medical Journal um estudo de revisão sistemática e meta-análise de estudos observacionais sobre a ingestão de ácidos graxos saturados e trans insaturados e o risco de mortalidade por todas as causas, doenças cardiovasculares e diabetes tipo 2. O objetivo do estudo foi revisar sistematicamente as associações entre ingestão de gorduras saturadas e gorduras trans insaturadas e mortalidade por todas as causas, doença cardiovascular (DCV) e mortalidade associada, doença cardíaca coronariana (DCC) e mortalidade associada, AVC isquêmico e diabetes tipo 2. As fontes de dados utilizadas nesta pesquisa foram Medline (desde 1946), Embase, Cochrane Central Registry of Controlled Trials, Evidence-Based Medicine Reviews, e CINAHL até 1 de maio de 2015, complementadas por bibliografias de artigos recuperados e revisões anteriores.

As conclusões as quais os pesquisadores chegaram, após a extensa revisão bibliográfica foram que as gorduras saturadas não estão associadas mortalidade por todas as causas, DCV, DCC, AVC isquêmico ou diabetes tipo 2, mas a evidência é heterogênea com limitações metodológicas. As gorduras trans insaturadas são associadas a mortalidade por todas as causas, mortalidade por doença cardíaca coronariana, provavelmente devido a maiores níveis de ingestão de gorduras trans industrializadas do que as gorduras trans dos ruminantes. As diretrizes dietéticas devem considerar cuidadosamente os efeitos na saúde das recomendações para utilização de macronutrientes alternativos para substituir gorduras trans e gorduras saturadas.

As diretrizes dietéticas globais devem e estão sendo reconsideradas à luz desses novos achados.

 

REFERÊNCIAS

Associations of fats and carbohydrate intake with cardiovascular disease and mortality in 18 countries from five continents (PURE): a prospective cohort study.

http://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(17)32252-3/fulltext?elsca1=tlxpr.

Food consumption and the actual statistics of cardiovascular diseases: an epidemiological comparison of 42 European countries.

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5040825/

 Saturated fats compared with unsaturated fats and sources of carbohydrate in relation to risk of coronary heart disease: a prospective cohort study.

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4593072/

Saturated fats versus polyunsaturated fats versus carbohydrate for cardiovascular disease prevention and treatment.

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4744652/

Development of food frequency questionnaires and a nutrient database for the Prospective Urban and Rural Epidemiological (PURE) pilot study in South India: methodological issues.

http://apjcn.nhri.org.tw/server/APJCN/17/1/178.pdf

Dietary glycemic load and glycemic index and risk of coronary heart disease and stroke in Dutch men and women: the EPIC-MORGEN study.

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3187822/

Prospective Urban Rural Epidemiology (PURE) study: baseline characteristics of the household sample and comparative analyses with national data in 17 countries.

http://www.ahjonline.com/article/S0002-8703(13)00360-8/fulltext

Intake of saturated and trans unsaturated fatty acids and risk of all cause mortality, cardiovascular disease, and type 2 diabetes: systematic review and meta-analysis of observational studies.

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4532752/

Validation of a semi-quantitative food frequency questionnaire for Argentinean adults.

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3360668/

Development, reproducibility and validity of the food frequency questionnaire in the Poland arm of the Prospective Urban and Rural Epidemiological (PURE) study.

http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1365-277X.2012.01240.x/abstract;jsessionid=B41D03A317A61003219F8A9CD354B6C9.f03t02

Development and validation of a quantitative food frequency questionnaire among rural- and urban-dwelling adults in Colombia.

http://www.jneb.org/article/S1499-4046(10)00524-5/fulltext

Relative validity of an FFQ to estimate daily food and nutrient intakes for Chilean adults.

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=Relative+validity+of+an+FFQ+to+estimate+daily+food+and+nutrient+intakes+for+Chilean+adults.

 

Dr. Roberto Franco do Amaral – Especialista em Medicina Laboratorial CRM 111310

2 respostas

  1. Olá boa noite
    Seria possível e caso tenha, receitas de caldos alcalinizantes???
    Já tive gastrite duas vezes por uso de remédios para a coluna no passado, tenho 61 anos, hoje não os uso mais.
    Gosto muito de brócolis, repolho verde porém os abandonei por formarem muitos gases, estou me afastando de glúten e derivados do glúten.
    Obrigada pela atenção dispensada.
    Bjússs e Boa Noite ??????
    Fica Com Deus ????????

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