A Dieta de Baixo Carboidrato no Combate à Obesidade e suas Consequências

Existem muitos mitos acerca da dieta “low carb” ou paleo sobre possíveis malefícios para o sistema renal, ósseo e principalmente, para o fígado.

A esteatose hepática, fígado gorduroso ou doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) é uma condição fortemente relacionada à alimentação, síndrome metabólica e diabetes tipo II. Cada vez mais pessoas são afetadas por esta condição, que associa-se fortemente com o risco cardiovascular. Estudos epidemiológicos têm revelado que a DHGNA é um problema de saúde pública, acometendo 20-40% dos indivíduos testados na dependência da prevalência da obesidade na população estudada. Um estudo mais recente, realizado nos Estados Unidos, com 328 pacientes assintomáticos, relatou que 46% dos indivíduos tinham esteatose, 26% eram diabéticos, 68% hipertensos e 70% obesos. No Brasil, estudos de Edison Roberto Parise e Helma Pinchemel Cotrim, utilizando a ultrassonografia (US) como método diagnóstico, encontraram em torno de 20% de esteatose hepática na população geral.

Os diversos estudos, realizados em animais experimentais, nos mostram que o que leva à esteatose hepática é a conversão do excesso de glicose e frutose em triglicerídeos no fígado; se esta conversão exceder a capacidade de depuração, estes se acumulam nos hepatócitos que são as células do fígado.

Os estudos também indicam que quanto menos carboidratos na dieta, menor a chance de desenvolver esteatose e que quanto maior o consumo de proteínas na dieta, menos esteatose e menos disfunção hepática o indivíduo apresentará.

Pesquisando no PUBMED e MEDLINE não se encontra publicado, qualquer artigo que ligue negativamente dietas de baixo consumo de carboidratos ou de alto consumo de proteínas, com doença hepática. Na verdade, encontra-se muitos estudos que demonstram os benefícios do aumento do consumo de proteínas e restrição do consumo de carboidratos no que diz respeito a doenças hepáticas, particularmente à esteatose hepática.

Abaixo, serão apresentados alguns dos estudos que demonstram estes fatos que vão de encontro ao mito de que a dieta low carb ou paleo é prejudicial ao fígado.

  • Um estudo realizado pelos pesquisadores Okuda e Morita do National Institute of Advanced Industrial Science and Technology (AIST), em Sapporo no Japão e publicado no periódico Nutrition and Diabetes, em 2012, demonstra que uma dieta cetogênica (com grande quantidade de gordura) é capaz de impedir completamente o desenvolvimento de esteatose no fígado de camundongos geneticamente obesos, e que esse efeito é independente da obesidade.
  • Em outro estudo, realizado por pesquisadores das Universidades de Tokushima e Shizuoka no Japão, publicado no periódico American Journal of Physiology – Endocrinology and Metabolism em 2009, a esteatose hepática foi induzida em ratos, com uma dite rica em sacarose (açúcar refinado). Os ratos com esteatose hepática foram então colocados em duas dietas: uma dieta controle, rica em carboidratos, e outra pobre em carboidratos e rica em proteínas. A dieta low carb com mais proteínas reverteu a esteatose nos roedores, ao contrário da dieta com mais carboidratos, semelhante à pirâmide alimentar atual (ver referências).

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Figura 1. Pirâmide alimentar cetogênica
  • Zhong et al., pesquisadores da Universidade da Carolina do Norte (EUA) induziram disfunção hepática em ratos associando álcool e óleo de milho em suas dietas. Quando o óleo de milho foi substituído por gordura saturada, o fígado dos animais melhorou. De acordo com os autores, as gorduras poliinsaturadas (óleos extraídos de sementes) são frágeis, oxidam-se facilmente, o que aumentam muito os danos oxidativos. Já as gorduras saturadas, especialmente as de cadeia média (óleo de coco por exemplo), são muito mais estáveis, reduzindo o estresse oxidativo.
  • Mas não são somente estudos em animais que comprovam estes fatos. Em um estudo Suíço de 2009, com voluntários humanos, uma dieta de alta ingesta de frutose por apenas 7 dias foi capaz de induzir esteatose hepática e deposição de gordura nos músculos, além de resistência à insulina no fígado, especialmente em pessoas com histórico familiar de diabetes.
  • Em outro estudo, realizado por pesquisadores da Universidade Duke em Durham, EUA, cinco pacientes obesos com esteatose hepática comprovada por biópsia foram colocados em dieta cetogênica por 6 meses. A perda de peso média foi de 12 Kg, variando de zero a 36 Kg. Todos foram novamente submetidos à biópsia após 6 meses. Dos cinco pacientes, quatro (os que perderam peso) mostraram melhora na esteatose, na inflamação hepática e no grau de fibrose do fígado.

Dos estudos citados acima e nas referências, pode-se concluir que uma dieta de baixo consumo de carboidratos e alto de gorduras, com quantidades adequadas de proteínas, composta de alimentos saudáveis, ricos em colina, na qual a gordura seja predominantemente monoinsaturada e saturada, e pobre em óleos se sementes é a melhor estratégia para a profilaxia e tratamento da esteatose hepática.

Evidências que apoiam a prescrição de dietas ricas em gordura com baixo teor de carboidratos

Dietas pobres em carboidratos com alto teor de gordura (LCHF) são um tópico atual altamente controverso em nutrição. Um artigo de revisão narrativa publicado no British Journal of Sports Medicine em janeiro de 2017,  teve como objetivo fornecer aos clínicos uma ampla visão geral dos efeitos das dietas LCHF sobre o peso corporal, controle glicêmico e fatores de risco cardiovascular, abordando algumas das preocupações e equívocos comuns. As concentrações de colesterol total de sangue e de LDL-colesterol apresentam uma resposta variável e altamente individual às dietas de LCHF, e devem ser monitorizadas em doentes que aderiram a esta dieta. Em contraste, as evidências disponíveis a partir de estudos clínicos e pré-clínicos indicam que dietas LCHF melhoram de forma consistente todos os outros marcadores de risco cardiovascular – abaixando a glicose elevada no sangue, as concentrações de insulina, triglicerídeos, ApoB e gordura saturada (especialmente o ácido palmitoleico), reduzindo o número de partículas densas e pequenas de LDL, os níveis de hemoglobina glicada (HbA1c), a pressão arterial e peso corporal, enquanto aumenta as baixas concentrações de HDL-colesterol e reverte a doença hepática gordurosa não alcoólica (NAFLD). Esta combinação particular de modificações favoráveis a todos estes fatores de risco é um benefício exclusivo das dietas LCHF. Estes efeitos são provavelmente devidos em parte à redução da fome e diminuição da ingestão de calorias ad libitum comum a dietas de baixo teor de carboidratos, aliada a uma redução na hiperinsulinemia e reversão de NAFLD. Embora as dietas de LCHF possam não ser adequadas para todos, as evidências disponíveis mostram que este plano de alimentação é uma opção dietética segura e eficaz a ser considerada. As dietas LCHF também podem ser particularmente benéficas em pacientes com dislipidemia aterogênica, resistência à insulina e o NAFLD frequentemente associado. Para saber mais.

Obesidade e crescimento tumoral: inflamação, imunidade e papel de uma dieta cetogênica

Um artigo de revisão publicado em 2016 por pesquisadores da Universidade norte-americana Thomas Jefferson, na Filadélfia analisou o impacto que a obesidade tem na malignidade através da inflamação e da desregulação imune usando achados recentes da literatura médica.

A obesidade cria um meio endocrinológico pró-inflamatório que altera a sinalização celular entre adipócitos, células imunológicas e células epiteliais, levando a superativação de macrófagos de tecidos adiposos e a regulação positiva de compostos associados à carcinogênese. A obesidade correlaciona-se com uma deficiência em numerosas células imunológicas, incluindo células dendríticas, células assassinas naturais (NK) e células T. Em parte, isso pode ser atribuído a um achado recente da expressão do receptor de leptina nessas células imunes e a regulação positiva da sinalização de leptina no estado de obesidade. Uma série de ensaios clínicos demonstraram a viabilidade de uma dieta rica em gordura e baixa em carboidratos como um tratamento adjuvante para câncer, e os ensaios atuais estão investigando o impacto dessa intervenção nos resultados da doença. Em ensaios pré-clínicos, uma dieta cetogênica demonstrou impedir o crescimento tumoral em uma variedade de cânceres através de mecanismos antiangiogênicos, antinflamatórios e pró-apoptóticos.

Figura 2. Racionalização para dietas cetogênicas como terapia adjuvante no tratamento de câncer. As dietas cetogênicas consistem em alto teor de  gordura, modesto teor de proteínas e  baixo teor de carboidratos, classicamente em uma proporção de 4: 1 (gordura: carboidratos+proteinas). Dietas cetogênicas num quadro de tumor  estão associadas a uma redução na proliferação celular, impedindo o crescimento tumoral, com uma redução na inflamação e neovascularização e aumento da morte celular programada através da apoptose.

 

A obesidade está se tornando mais prevalente e sua ligação ao câncer é claramente estabelecida, fornecendo uma justificativa para a implementação de intervenções alimentares como uma estratégia terapêutica adjuvante para combater a malignidade.

 

 

REFERÊNCIAS

A very low carbohydrate ketogenic diet prevents the progression of hepatic steatosis caused by hyperglycemia in a juvenile obese mouse model.

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3506983/

Hypocaloric high-protein diet improves fatty liver and hypertriglyceridemia in sucrose-fed obese rats via two pathways.

http://ajpendo.physiology.org/cgi/doi/10.1152/ajpendo.00014.2009

Dietary fat sources differentially modulate intestinal barrier and hepatic inflammation in alcohol-induced liver injury in rats.

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=Gastrointestinal+and+liver+physiology%2C+305(12)%2C+pp. G919%E2%80%93932

Fructose overconsumption causes dyslipidemia and ectopic lipid deposition in healthy subjects with and without a family history of type 2 diabetes

http://ajcn.nutrition.org/content/89/6/1760

The effect of a low-carbohydrate, ketogenic diet on nonalcoholic fatty liver disease: a pilot study.

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=Digestive+diseases+and+sciences%2C+52(2)%2C+pp.589%E2%80%93593.)

Doença hepática gordurosa não Alcoólica.

http://www.sbhepatologia.org.br/pdf/revista_monotematico_hepato.pdf

Prevention and reversal of hepatic steatosis with a high-protein diet in mice.

http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0925443913000409

Role of Choline Deficiency in the Fatty Liver Phenotype of Mice Fed a Low Protein, Very Low Carbohydrate Ketogenic Diet.

http://www.plosone.org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pone.0074806

Dietary fat sources differentially modulate intestinal barrier and hepatic inflammation in alcohol-induced liver injury in rats.

http://ajpgi.physiology.org/content/305/12/G919

Iatrogenic Hyperammonemia After Anorexia.

http://archinte.jamanetwork.com/article.aspx?articleid=415679

The low-carbohydrate diet and cardiovascular risk factors: Evidence from epidemiologic studies

Evidence that supports the prescription of low-carbohydrate high-fat diets: a narrative review

Obesity and tumor growth: inflammation, immunity, and the role of a ketogenic diet.

https://insights.ovid.com/pubmed?pmid=27168354

Dr. Roberto Franco do Amaral – Especialista em Medicina Laboratorial CRM 111310

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